O relato de uma mãe que lê para os seus filhos desde a gestação.
Não me lembro de ter sido apresentada aos livros na minha primeira infância. Nem sei dizer em que momento a leitura entrou em minha vida. Talvez eu tenha sido uma leitora tardia, apesar de nunca ser tarde demais para iniciar esse hábito.
A única certeza que tenho é que os livros foram uma importante ferramenta de autoconhecimento e diálogo com as minhas próprias emoções. Ler é explorar o universo a partir do olhar do outro, é escutar com a alma, para permitir expandi-la.
Na vida adulta, meu primeiro contato com a literatura para a infância foi após o nascimento da minha afilhada Beatriz, a Bia, que inspirou a personagem principal do
meu primeiro livro infantil.
Como me mudei para o Rio de Janeiro no ano do seu nascimento, em 2008, passei a
frequentar as livrarias da cidade em busca de histórias que pudessem inspirar a sua
infância. Presenteá-la com livros foi a forma de me fazer presente na ausência. Mesmo
caminho que encontrei para participar da infância de outro afilhado que morava à
distância, o Joaquim.
Leitura na Primeira Infância
Quando fiquei grávida do Mateus, meu primeiro filho, no ano de 2015, não tive dúvidas em apresentá-lo à literatura infantil desde muito cedo.
Durante a gestação, assisti a um documentário chamado “O começo da vida”, da diretora Estela Renner, produzido pela Maria Farinha Filmes, abordando a importância de um olhar de afeto e cuidado para a primeira infância, com base em recentes estudos da neurociência, que comprovavam que 90% das nossas conexões cerebrais são formadas até os 6 anos de idade.
Mudar o modo como sempre tratamos a primeira infância era mudar o mundo. Como isso era poderoso! Foi o que eu precisava ouvir para não me sentir uma tola lendo para um bebê que nem havia saído da barriga. E foi o que passei a fazer a partir do sexto mês de gravidez.
Desde então, a leitura em família se tornou um hábito que nos acompanha até os dias de hoje, com meu filho mais velho já alfabetizado. Depois do seu nascimento, não parei mais de comprar livros infantis. O item passou a integrar, regularmente, as faturas mensais do meu cartão de crédito, como artigo de necessidade básica da sua primeira infância.
Histórias para todas as idades
E como eu já tinha algumas referências bibliográficas dos tempos em que eu pesquisava livros infantis para minha afilhada, nunca me prendi muito à faixa etária da obra. Buscava apresentar livros que eu acreditava contribuir para uma formação mais humanitária, solidária e inclusiva. Capaz de fazê-lo compreender um pouco mais de si mesmo, do outro e do mundo.
Mas é claro que eu também apresentei aqueles indicados para cada etapa do seu
desenvolvimento infantil. Só não me limitei a eles.
Como nasce um leitor
Ter lido histórias para o Mateus quando ainda era bebê e nem sabia falar, sem dúvida
alguma, ampliou o seu repertório de palavras, além de apresentá-lo a outro tipo de
oralidade. Uma fala pausada, ritmada e repleta de vocabulários ainda incompreensíveis.
A leitura não apenas estimulava sua concentração como, por vezes, o relaxava.
Também o manuseio dos livros foi estimulado desde muito cedo. Havia livros de vários formatos, materiais e texturas espalhados por toda casa, sempre a seu alcance.
Na medida em que ele foi crescendo, a leitura passou a fazer parte da nossa rotina antes de dormir. Um momento precioso de presença e muita troca. Foi quando me dei conta de como a literatura infantil transforma toda família. Porque as crianças não são as únicas alcançadas pela história. Perdi as contas de quantos livros me inspiraram a uma
maternidade mais leve.
Hoje, com meu filho mais velho já alfabetizado, me alegro ao perceber sua paixão pela
leitura, algo tão natural e prazeroso para ele, que influenciou o seu desenvolvimento
humano, cognitivo, modo de ver e se expressar, além de facilitar seu aprendizado
escolar.
Família de leitores
Quando o Gabriel nasceu no ano de 2019, manter a prática da leitura foi um pouco mais caótico. Um novo bebê sempre mexe com a rotina de uma casa. Ainda assim, por acreditar nos benefícios da leitura, procurei conciliar nosso hábito de ler à nova realidade.
E, de uma forma diferente, também o meu filho mais novo cresceu aprendendo a apreciar as histórias.
Não posso afirmar que a paixão pelos livros é igual para os dois. Tampouco o gosto literário. Mas posso dizer, com tranquilidade, que a grande facilidade de compreensão de ambos vem, em boa parte, do contato com a literatura desde muito cedo.
De leitora à escritora
Perceber esse encantamento e o potencial da literatura na primeira infância foi o que me motivou a iniciar minha própria jornada literária, desta vez como escritora de histórias. A primeira delas foi publicada pela editora paraense, Depois da Chuva, na Feira
Literária Internacional de Paraty, em novembro de 2023. Chama-se MALA, MALINHA OU MALÃO?, ilustrada pelo querido Rodolfo Melo.
Conta a história de uma menina que se vê em um dilema sobre o que é essencial carregar em sua bagagem. Foi dedicada à minha afilhada, que trouxe a literatura infantil para minha própria criança interior, e partiu dos questionamentos que comecei a fazer depois da maternidade sobre o que era importante para mim. E quais as bagagens não me interessavam mais carregar.
Depois dele, não parei mais de escrever histórias, e dentre elas, O ESCALADOR DE
MONTANHAS, dedicada ao meu afilhado Joaquim, que escalou sua primeira montanha
com a separação dos seus pais; O PACATO PLANETA DAS PANELAS, abordando
nossa dificuldade de se misturar ao diferente, a partir de um mundo animado de
alimentos que se reuniam em panelas; e UM PAPAI EM APUROS, a história de um
cavalo marinho, única espécie animal em que o macho é que engravida, para contar, de
uma forma lúdica e divertida, os desafios da primeira gestação e paternidade. Todos em
fase de gestação.
Ainda estou me conhecendo nesse novo papel de escritora, buscando descobrir o que gostaria de compartilhar através dos meus livros. Não como forma de convencimento do outro. Mas para contribuir com novos pontos de vista ou reflexões. Ler é algo que dialoga com minha alma. Escrever me tira da minha zona de conforto.
Tem sido um grande exercício. Me incomoda um pouco qualquer tipo de rótulo. Especialmente na literatura. Classificar algo como bom ou ruim sempre me pareceu reducionista.
A leitura é um ato de liberdade e gostar do que se lê é uma experiência muito pessoal. Somente conhecendo diversas vozes e estilos é possível descobrir aquilo que realmente te agrada e faz sentido para você. Como somos tantos e tão plurais, nada mais justo que essa diversidade também esteja retratada na literatura. Foi o que sempre busquei apresentar aqui em casa.
Não há outra forma de se expandir do que aprendendo a escutar o outro. E o outro é
diferente de mim. Essa é a beleza da vida. E da literatura!
*Bianca Del Pilar é escritora, formada em Direito, mãe de Mateus e Gabriel... e autora do livro infantil MALA, MALINHA OU MALÃO? Depois da maternidade, descobriu sua paixão pela literatura infantil e passou a escrever suas próprias histórias.
Que coisa mais maravilhosa de ler! Eu compartilho muito de todo o contexto! Leio para os meus filhos desde a barriga e acho poderosíssimo o impacto de um livro em nossas vidas!
Bianca, parabéns pelo artigo ímpar e repleto de acolhimento! País e mães podem e devem descobrir juntos o poder da leitura . Isso muda o mundo!
Obrigada pela partilha
Adriana C. A. Figueiredo
Que relato lindo! Por mais mamães que incentivem seus pequenos ao mundo da leitura! 😍
Me identifiquei muito com esse texto da minha querida amiga. Meu interesse na primeira infância e na leitura desde cedo veio quando trabalhei em um berçário nos Estados Unidos. Foi na prática que vi e entendi que mesmo tão pequenos aquela leitura era valiosa para eles e pra mim. Com o tempo fui aprendendo sobre desenvolvimento infantil e, quando me tornei mãe, antes da minha filha nascer eu já tinha mais livros infantis do que brinquedos pra ela. Os livros ajudaram não só a acalmá-la mas também a transição da fralda para o penico (ela amava ler enquanto fazia seu xixi e coco). O livro aqui é objeto de conexão entre nós com ela, construção de um ser humano empátic…