O título logo nos remete a uma lembrança de alguma criança ou de nós mesmos quando criança. Será que é frescura para comer? Será que a criança tem nojo para comer? Como mãe sempre tive muito atenta a alimentação da minha filha, ao processo da introdução alimentar e a relação que gostaria que ela construísse com a alimentação e hora de comer. Percebo o quanto é difícil essa etapa para muitas famílias (eu mesmo enfrentei dificuldades) e as vezes nem nos atentamos no quanto é importante a relação com a comida desde o processo da introdução alimentar. Por isso, um ótimo aliado é buscar informação.
É SÓ UMA FASE?
Mas e aí, quando se atentar para uma seletividade alimentar? Será que é só uma fase ou
realmente uma seleção de alimentos?
A Seletividade Alimentar é um distúrbio alimentar caracterizado pela rejeição de muitos
alimentos. Os alimentos excluídos costumam ser frutas, legumes e verduras. Essa seleção de alimentos pode vir acompanhada por categorias como: as cores dos alimentos (só aceitando comer alimentos da mesma cor, exemplo: alimentos amarelos/ ou não aceitar comer alimento de uma determinada cor, exemplo: não comer alimentos verdes); os sabores dos alimentos (só comer alimentos do mesmo sabor, exemplo: doces); texturas dos alimentos (só aceitando comer alimentos da mesma textura, exemplo: crocantes).
Geralmente a criança seletiva alimentar apresenta a tríade:
RECUSA ALIMENTAR - POUCO APETITE (relatado pelos pais) - DESINTERESSE PELO ALIMENTO. Há também uma característica importante onde as crianças se recusam a experimentar novos alimentos, a chamada Neofobia alimentar. Nestes casos a criança apresenta medo e recusa por experimentar alimentos não familiares. Trata-se então de uma resistência muito grande em provar/comer um alimento diferente do padrão habitual de consumo.
Além disso, são observados em crianças seletivas alimentares um comportamento rígido ao que diz respeito à repetição de um mesmo alimento durante o dia a dia da criança.
Atualmente muitos pais de crianças com autismo relatam a presença de seletividade
alimentar. Mas será que toda criança seletiva receberá um diagnóstico de autismo? A
resposta é não. A seletividade alimentar pode estar sim associada a alguns casos de
autismo devido ao comportamento rígido e de aceitação do novo/alimentos, das disfunções sensoriais presentes.
COMO IDENTIFICAR
Quando identificar seletividade alimentar em meu filho?
Alguns fatores devem ser levados em consideração para classificar a criança como seletiva alimentar. Nestes casos é possível identificar através de
- Perda de peso ou pouco ganho (percentil baixo);
- Apresenta engasgos ou ânsias constantes durante a alimentação;
- Apresenta histórico de refluxos;
- Dificuldade para ingerir alimentos sólidos a partir de 1 ano de idade;
- Dificuldade para ingerir alimentos pastosos com 10 meses de idade;
- Não realizou a transição de consistências de comida até os 16 meses de idade.
Ainda come papinha, por exemplo.
- Evita ou tem aversão a categorias inteiras de texturas de alimentos;
- O momento da refeição é traumático para a criança e para a família. Gera um
momento de briga para comer;
- Pais relatam que o filho é “chato para comer”;
- Consomem menos de 20 alimentos.
BUSCANDO AJUDA PROFISSIONAL
Observando essas caraterísticas conseguimos acionar o alerta e buscar ajuda. Para que a
criança chegue ao ato de comer, precisamos levar em consideração o passo a passo para comer. A famosa ESCALA DO COMER se dá por 6 passos, como:
1- TOLERAR: Ver o alimento no mesmo ambiente em que esta, seja na mesa, no prato de
comida, segurando na mão, estando perto do alimento. Esse passo pode parecer simples, mas para crianças com alguma disfunção sensorial tátil e/ou seletividade alimentar pode ser um grande desafio!
2 –INTERAGIR: É fundamental a criança estabelecer uma interação com o alimento. Não
somente olhar para o alimento e comer, a interação envolve ter prazer pelo ato, criar uma
memória e uma lembrança desse alimento. Por isso é tão importante construir esse vínculo e interação através do brincar, fazer comidinha, explorar, fazer pratos de comida coloridos e criativos.
3 – CHEIRAR: Esse item quer dizer o comportamento da criança em aceitar o cheiro da
comida. Seja ele um cheiro mais forte ou mais suave. Em algumas crianças o cheiro do
alimento pode causar incômodos, ânsias e por vezes podem dizer que é "fedido e/ou dói o nariz".
4 – TOCAR: Manusear o alimento, tocar, explorar a textura, sentir a temperatura, observar
com as mãos. O ato de tocar no alimento pode ser desconfortável para algumas crianças
que apresentam disfunções no processamento sensorial tátil. Nesses casos vale buscar
uma avaliação com um Terapeuta Ocupacional.
5 – PROVAR; Este ato é importante ser respeitado, aguardando sempre a intenção inicial
da criança em experimentar. O provar pode vir desde o interesse abrindo a boca,
encostando a língua no alimento, mastigar, lamber, colocar na boca e cuspir...ou seja, será
todo o processo de vivência próxima ao alimento. Agora ele não só sente a comida como
também observa que há sabores diferentes e aflora o sistema sensorial do paladar.
6 – COMER: Chegamos ao mais esperado de todos: COMER!
Esse é o ato principal e mais aguardado pelos pais, porém olha quantos passos precisamos ter pela frente para alcançarmos este ato.
A criança enfim estará confiante para:
- Sentir prazer com o alimento
- Mastigar
- Engolir
- Saborear.
Seletividade alimentar é algo sério e que deve ser bem avaliado.
Será que seu filho é só chato para comer? Será que ele pode estar sofrendo com alguma
questão fisiológica, sensorial ou estrutural que impede ele a construir essa relação saudável com a comida?
Havendo alguma restrição alimentar presente, vale buscar ajuda. Provavelmente a criança se beneficiará com um programa de atendimento de Terapia Ocupacional com abordagem na Integração Sensorial, além de outros profissionais que forem necessários de acordo com a história e comprometimento de cada criança.
Vamos para “fora da caixa” e pensar para o além de meu filho é chato para comer!!
Busquem ajuda, certeza que atrás de toda “criança chata para comer” existem ajustes
possíveis a serem feitos.
* Sofia Régis é terapeuta ocupacional formada pela UFRJ, Especializada no Conceito Neuroevolutivo - Bobath infantil, com Certificação Internacional em Integração Sensorial de Ayres e Aprimoramento em Neurodesenvolvimento Infantil.
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