Vamos falar sobre o impacto da Pandemia na Ansiedade Infantil? Você sentiu que sua ansiedade aumentou durante a pandemia de Covid-19? Se sim, saiba que não está sozinha.
O número de pessoas com sintomas de ansiedade no Brasil praticamente dobrou durante o período de quarentena e continua crescendo.
Se a pandemia é um desafio diário para nós adultos, imagina ser criança nesses tempos? Essa reflexão é importante pois estamos diante de uma epidemia de crianças e adolescentes abrindo quadros psiquiátricos ansiosos que podem ter desfechos negativos durante suas vidas, se não tratados adequadamente.
A ansiedade é considerada uma resposta habitual do ser humano ao meio e à situações que vivencia. Do ponto de vista biológico, a ansiedade tem função adaptativa e de perpetuação da espécie, pois prepara o indivíduo para situações novas, desafiadoras e de perigo. Ou seja, a ansiedade ajuda o indivíduo a providenciar o que é necessário para evitar o perigo ou a ameaça, ou pelo menos reduzir suas consequências, aumentando as chances de um bom desempenho. E é esse mecanismo que está ativado no Covid: a sobrevivência da espécie.
Resultado da Pandemia
Mas, então, por que estamos adoecendo? Porque o estímulo cerebral ("ameaça") foi intenso e por tempo prolongado, o que acarretou em uma resposta cerebral exacerbada e com repercussão negativa na saúde física e mental.
O cérebro humano trabalha com previsibilidade. A verdade é que nós não possuímos controle sobre diversas coisas do mundo, mas é importante termos a sensação que algo está nas nossas mãos. O Covid nos tirou do conforto do controle fictício e nos colocou diante do penhasco da imprevisibilidade.
Pandemia e ansiedade
Outra situação vivenciada na pandemia foi o trauma. Muita gente adoeceu, passou dias no CTI, conhece alguém que agravou ou morreu. E isso pode deixar o circuito de alerta do cérebro ativado por muito tempo depois do trauma e promover um terreno cerebral fértil para os transtornos ansiosos.
E como ficam as crianças?
Para as crianças, a pandemia foi vivenciada através do comportamento dos pais. Elas assistiram diariamente pais apavorados, enlutados, falidos, estressados, tentando dividir um espaço do domicílio para trabalhar e sobreviver ao "fim do mundo". Ficaram trancadas em casa, com suas rotinas alteradas, pouco expostas à luz solar e muito expostas à telas.
Foram impedidas do convívio social e afetivo, afastadas de outras crianças, da brincadeira, da infância. Com tantos fatores estressores e ausência de fatores protetores, ficaram à mercê do medo real e do imaginário, e seus circuitos cerebrais imaturos responsáveis pela detecção, mensuração e resposta ao medo ficam hiperativados.
Aparecem então transtornos como a Ansiedade de Separação (onde o infante tem medo de se afastar de seus genitores), Transtorno de Ansiedade Generalizada (caracterizado por preocupações exageradas e que ocupam um tempo maior do que deveriam), Transtorno de Pânico (com sintomas físicos e sensação de morte eminente), Ansiedade Social e Mutismo Seletivo ( agravados pela deficiência de treinamento de habilidades sociais). Tudo isso ocorre em um momento de desenvolvimento cerebral intenso e pode deixar marcas para o resto da vida.
Precisamos cuidar dessa geração de crianças para mitigar os impactos da pandemia e garantir a formação de adultos saudáveis psiquicamente.
Natasha Ganem é médica Psiquiatra infantojuvenil e fundadora da Associação Brasileira de Mutismo Seletivo e Ansiedade Infantil (ABRAMUTE).
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