Neurodiversidade em família
- Da redação

- há 12 minutos
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Compreender o funcionamento de cada um transforma as relações

Falar sobre neurodiversidade em familia é falar sobre a pluralidade da mente humana e, principalmente, sobre como cada pessoa percebe, sente e reage ao mundo de forma única.
Quando olhamos para as famílias, compreender essa diversidade interna é essencial para fortalecer vínculos, reduzir conflitos e criar lares mais respeitosos e empáticos.
O que é neurodiversidade?
O termo neurodiversidade foi criado nos anos 1990 pela socióloga australiana Judy Singer, que também é autista. Ele defende que as variações neurológicas humanas — como autismo, TDAH, dislexia, superdotação e outras — fazem parte da diversidade natural da espécie, assim como diferenças de gênero, cultura ou etnia.
Segundo um artigo publicado na Harvard Health Publishing (2021), o movimento da neurodiversidade não trata essas condições como doenças a serem curadas, mas como formas distintas de funcionamento cerebral, com desafios e potências próprias.
A ciência hoje reconhece que essas diferenças podem coexistir dentro da mesma família, criando dinâmicas únicas que exigem compreensão mútua. Um estudo da Journal of Autism and Developmental Disorders (2022) mostra que filhos de pais neurodivergentes tendem a se beneficiar mais quando a família compreende e acolhe suas particularidades, em vez de tentar “corrigi-las”.
A importância de conhecer o funcionamento de cada um

Saber como cada integrante da família funciona é como decifrar o manual interno de convivência.
Esse conhecimento ajuda a entender os comportamentos, as necessidades e até os silêncios.
A teoria dos sistemas familiares de Murray Bowen, psiquiatra norte-americano, explica que as famílias são sistemas interdependentes, e o equilíbrio emocional depende do grau de diferenciação de cada membro — ou seja, o quanto cada pessoa consegue se perceber como um indivíduo, sem perder a conexão com o grupo.
Quando alguém entende que tem TDAH, por exemplo, passa a compreender sua tendência à distração ou impulsividade, e pode criar estratégias para lidar com isso. Da mesma forma, quem tem autismo entende que precisa de pausas sensoriais ou de previsibilidade, o que ajuda a evitar crises e mal-entendidos.
No episódio 6 do podcast Conversas Maternas, a psicóloga e neuropsicóloga Francine Fernandes compartilhou sua vivência em uma família neurodivergente, onde mãe, pai e filho possuem diagnósticos diferentes: superdotação, TDAH e autismo.
Em uma conversa emocionante, ela contou como o autoconhecimento e o entendimento do funcionamento de cada membro transformaram completamente a convivência em casa:
“A partir do momento em que nos conhecemos, passamos a nos respeitar com consciência. Entendemos que o outro não é difícil, ele apenas funciona de outro jeito.”
Essa fala resume o cerne da neurodiversidade: a diferença não é um defeito, é uma forma de existir.
Francine relata isso de forma muito viva: “O meu marido é autista, o meu filho é autista e superdotado, e eu também sou superdotada e tenho TDAH. Entender isso nos uniu. Hoje sabemos que o silêncio do outro não é rejeição, é recarregar energia. E isso muda tudo.”
Essa consciência coletiva transforma o lar em um espaço de respeito.
Em vez de tentar “ajustar” o outro ao próprio modo de ser, cada um aprende a negociar convivências possíveis, mais humanas e menos exigentes.
Neurodiversidade e maternidade: o desafio da autocompaixão
A maternidade, em especial, é um espelho potente para as mulheres neurodivergentes. Estudos recentes da Frontiers in Psychology (2023) mostram que mães com características de superdotação, TDAH ou autismo têm maior propensão ao perfeccionismo e à autocobrança, o que aumenta o risco de exaustão e burnout materno.
Francine viveu isso na pele, o excesso de responsabilidade que ela sentia vinha de sua neurodivergência. "Eu queria fazer tudo perfeito. Hoje, aprendi a ser uma mãe possível.”
A ideia da maternidade possível, defendida também pela psicóloga, se conecta à noção de autocompaixão. Precisamos exercitar, principalmente:
Autoempatia – olhar para si com gentileza, sem julgamento.
Compreensão da humanidade comum – lembrar que errar faz parte da experiência de ser humano.
Consciência plena (mindfulness) – observar as emoções sem se deixar dominar por elas.
Ao aplicar esses princípios na maternidade, a mulher deixa de ser uma “supermãe ideal” e passa a ser uma mãe real, consciente e presente — capaz de ensinar pelo exemplo que vulnerabilidade também é força.
Famílias neurodiversas: o poder do diálogo e da aceitação

Pesquisas de Simon Baron-Cohen, diretor do Autism Research Centre da Universidade de Cambridge, reforçam que a comunicação é o principal desafio nas famílias neurodiversas, mas também a maior oportunidade de crescimento.
Quando os membros de uma família aprendem a nomear suas emoções, expressar seus limites e validar as diferenças, eles criam um ambiente emocionalmente seguro. Francine descreve esse processo como “um exercício diário de respeito e compaixão”:
Essa é a essência da convivência neurodiversa: um pacto de aceitação recíproca.Não se trata de corrigir o outro, mas de entender por que ele sente, pensa ou age de determinado modo, e ajustar o próprio comportamento a partir dessa consciência.
A psicologia sistêmica reforça que a empatia nasce da compreensão do funcionamento do outro, e não da tentativa de igualá-lo a nós.
Quando a diferença vira força
Em um mundo que ainda insiste em padronizar o comportamento humano, as famílias neurodiversas desafiam o status quo. Elas mostram que é possível viver com diferenças cognitivas, emocionais e sensoriais sem que isso se torne um obstáculo à conexão.
Pelo contrário: compreender a neurodiversidade familiar é uma oportunidade de crescimento mútuo, de ensinar às crianças desde cedo o valor do respeito, da escuta e da empatia.
Quer se emocionar e refletir sobre o tema?Assista ao episódio completo do Podcast Conversas Maternas com Francine Fernandes, no YouTube:👉 EP #06 – Maternidade e Neurodiversidade: com Francine Fernandes
*Da Redação do Conversas Maternas
Referências científicas:
Singer, J. (1999). Why can’t you be normal for once in your life?
Harvard Health Publishing (2021). Neurodiversity: what you need to know.
Journal of Autism and Developmental Disorders (2022). Family adaptation in neurodiverse households.
Neff, K. (2011). Self-Compassion: The Proven Power of Being Kind to Yourself.
Frontiers in Psychology (2023). Maternal perfectionism and neurodivergence.
Bowen, M. (1978). Family Therapy in Clinical Practice.



























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